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A Reforma Tributária e seus Impactos na Tributação da Atividade Imobiliária

1. A Reforma Tributária e a Relevância do Setor Imobiliário

A proximidade de 2026 e a fase inicial da implementação da reforma tributária acionam um alerta para o setor empresarial brasileiro, demandando preparação estratégica imediata para adaptação ao novo sistema fiscal.

Recapitulando: a aprovação da Emenda Constitucional 132/2023, que culminou na Lei Complementar 214/2025, marca um divisor de águas no sistema tributário brasileiro, prometendo uma transformação profunda na tributação sobre o consumo. Os objetivos principais da reforma são a simplificação do complexo sistema fiscal nacional, a implementação da não cumulatividade plena, a busca pela neutralidade tributária e a efetivação da tributação no destino.

Em meio a essa profunda reestruturação, o setor imobiliário e da construção civil emerge como um dos mais impactados – ao mesmo tempo que é setor de vital importância socioeconômica para o país.

Caracterizado por longos ciclos de produção, significativo impacto na geração de empregos e na provisão de bens essenciais como moradia e infraestrutura, este setor sempre demandou um tratamento tributário diferenciado.

Diante da magnitude das mudanças e da proliferação de informações, por vezes inverídicas, torna-se imperativo um esclarecimento técnico e aprofundado sobre os reais impactos da reforma tributária na atividade imobiliária. Este artigo visa desmistificar as complexidades e fornecer uma análise das alterações que moldarão o futuro fiscal do setor.

2. O Sistema Tributário Atual do Setor Imobiliário

Atualmente, a tributação sobre o setor imobiliário é intrincada e multifacetada, envolvendo uma gama de tributos como o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), o Imposto sobre Serviços (ISS), a Contribuição ao Programa de Integração Social (PIS) e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS).

Uma das particularidades mais notáveis é que atividades como locação, incorporação e loteamento, em geral, não sofrem a incidência direta de ICMS e ISS. A construção civil, por sua vez, é predominantemente tributada pelo ISS. Contudo, PIS e COFINS incidem sobre praticamente todas as operações do setor.

Um ponto crítico no regime atual é a ausência de geração de crédito de ICMS para construtoras e incorporadoras sobre os insumos adquiridos. Isso ocorre porque, via de regra, essas empresas não são contribuintes de ICMS, resultando na incorporação da carga tributária dos insumos ao custo final dos bens e serviços, que é repassado ao consumidor.

Como alternativa a esse sistema fragmentado, a Lei 10.931/2004 instituiu o Regime Especial de Tributação (RET), opcional e irretratável, que consolida a tributação federal sobre o faturamento das incorporadoras imobiliárias a uma alíquota unificada de 4% sobre a receita mensal, englobando IRPJ, CSLL, PIS e COFINS. Para projetos de interesse social, como os do Programa Minha Casa Minha Vida (MCMV), a alíquota é reduzida para 1%.

3. As Inovações da Reforma Tributária: IBS, CBS e Imposto Seletivo

A reforma tributária promove uma transformação radical ao substituir o emaranhado de tributos sobre o consumo por um sistema dual de Imposto sobre Valor Agregado (IVA). O PIS e a COFINS serão substituídos pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), de competência da União, enquanto o ICMS e o ISS darão lugar ao Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), de competência compartilhada entre Estados, Distrito Federal e Municípios.

Adicionalmente, é instituído o Imposto Seletivo (IS), que incidirá sobre produtos e serviços específicos considerados nocivos ou supérfluos, com função extrafiscal.

A alíquota modal  (IBS + CBS), que será aplicada à maioria das operações, ainda não foi definida, mas estimativas do Ministério da Fazenda apontam para uma soma das alíquotas do IBS e da CBS entre 26,5% e 28%.

O principal avanço da reforma reside na implementação de um regime de não cumulatividade ampla, que assegura que o tributo incida apenas sobre o valor adicionado em cada etapa da cadeia produtiva. Isso permitirá o aproveitamento integral dos créditos relativos aos tributos pagos nas etapas anteriores, o que representa uma mudança significativa e benéfica para o setor imobiliário, que hoje não recupera grande parte desses créditos.

4. O Regime Específico para o Setor Imobiliário

Reconhecendo as particularidades do setor, a Lei Complementar 214/2025 estabelece um Regime Específico para as operações com bens imóveis (art. 251 e seguintes). Este regime abrange uma vasta gama de atividades, incluindo construção civil, incorporação imobiliária, loteamento, alienação, adjudicação, cessão ou ato oneroso translativo ou constitutivo de direitos reais, locação, cessão onerosa, arrendamento, administração e intermediação de bens imóveis.

É importante notar que o IBS e a CBS não incidirão sobre operações de permuta (exceto sobre a eventual torna) e na constituição ou transmissão de direitos reais de garantia.

Vale destacar que os tributos sobre a transmissão de propriedade de bens imóveis, como o ITBI (de competência municipal) e o ITCMD (de competência estadual), permanecem em vigor, pois não foram abrangidos pelo escopo da reforma tributária do consumo.

O Regime Específico prevê a aplicação de fatores de redução no cálculo do IBS/CBS, visando adaptar a tributação às especificidades do setor:

  • Redutor de alíquota: haverá uma redução de 50% na alíquota padrão para as operações de venda de imóveis e uma redução ainda maior, de 70%, para as operações de locação, cessão onerosa e arrendamento.

  • Redutor social: visa beneficiar imóveis de menor valor. A base de cálculo será reduzida em R$ 100 mil para imóvel residencial novo e em R$ 30 mil para lote residencial (após a aplicação do redutor de ajuste). Para locações, haverá um redutor de R$ 600.

  • Redutor de ajuste: permite reduzir a base de cálculo na venda do imóvel, considerando o custo de aquisição do terreno ou do imóvel, o ITBI/laudêmio pagos na operação anterior (quando da aquisição do imóvel pelo contribuinte do IBS/CBS) e as contrapartidas urbanísticas ou ambientais entregues pelo empreendimento aos entes públicos.

5. Impactos Específicos por Tipo de Atividade e Contribuinte

5.1. Incorporação Imobiliária

A reforma trará mudanças significativas para a incorporação imobiliária.

O Regime Especial de Tributação (RET), em sua forma atual, será transformado. A partir de 1º de janeiro de 2027, o RET passará a incidir apenas sobre o IRPJ e a CSLL, com uma alíquota de 1,92%. Para os imóveis de interesse social no âmbito do Programa Minha Casa Minha Vida, a alíquota única será de 0,47%.

O IBS e a CBS incidirão sobre o valor da alienação de bem imóvel, incluindo as incorporações imobiliárias e o parcelamento de solo. O recolhimento será devido em cada pagamento da unidade imobiliária.

Pela primeira vez, as incorporadoras poderão apropriar créditos de CBS e IBS sobre insumos, materiais de construção e serviços contratados, reduzindo significativamente o custo tributário embutido nos empreendimentos.

5.2. Construção Civil

Para a prestação de serviços de construção civil, a Lei Complementar 214/2025 estabelece que o fato gerador do IBS e da CBS ocorre no momento do fornecimento do serviço. Contudo, em contratos de longo prazo, como os de empreitada (por preço global, por preços unitários, por administração, ou por preço máximo garantido - PMG), surgem dúvidas quanto à definição precisa do momento do fornecimento, o que demandará regulamentação específica para evitar controvérsias.

A principal vantagem será que a empresa contratada para prestar serviço de construção civil e que forneça material poderá apropriar crédito da CBS e do IBS relativo à aquisição dos materiais de construção fornecidos, bem como dos serviços.

5.3. Locação, Compra e Venda de Imóveis

Para a locação de imóveis, a reforma prevê uma redução de 70% na alíquota padrão do IBS e da CBS, o que, considerando uma alíquota padrão de 28%, resultaria em uma alíquota efetiva de cerca de 8,4%. Além disso, haverá a não-cumulatividade plena para as empresas que realizam atividade imobiliária, e um redutor social de R$ 600 por mês sobre o valor tributado nas locações.

Para empresas cuja atividade principal é a compra e venda de imóveis, a tributação incidirá apenas sobre a diferença entre o preço de venda e o preço de aquisição. Além disso, essas empresas poderão recuperar o crédito do imposto incidente em suas despesas administrativas.

5.4. Pessoas físicas

É importante ressaltar que as vendas eventuais de imóveis por pessoas físicas não serão tributadas, como já ocorre hoje.

No entanto, pessoas físicas poderão se tornar contribuintes de IBS/CBS em casos específicos de habitualidade, como a venda de mais de três imóveis distintos no ano (em seu patrimônio há menos de cinco anos), a venda de mais de um imóvel construído por ela nos últimos cinco anos, ou em operações de locação/cessão/arrendamento de mais de três imóveis com receita superior a R$ 240 mil/ano.

6. Período de Transição e Cronograma

A implementação da reforma tributária seguirá um processo gradual.

Em 2026, ocorrerá o início dos testes de alíquota. O período de transição se inicia efetivamente em 1º de janeiro de 2027, com a extinção das contribuições ao PIS e COFINS e o início da cobrança da CBS. A partir de 1º de janeiro de 2029, as alíquotas do ICMS e do ISS serão reduzidas em 10% ao ano, enquanto a alíquota do IBS será majorada proporcionalmente, até o fim do período de transição em 31 de dezembro de 2032, quando ICMS e ISS serão extintos e o IBS passará a ser cobrado plenamente.

Para operações com imóveis iniciadas antes de 1º de janeiro de 2029, a LC 214/2025 prevê opções para os contribuintes. É possível optar por manter a carga tributária atual para o RET e para o parcelamento de solo, pagando CBS a alíquotas específicas. Contudo, essa opção veda a apropriação de créditos de IBS/CBS. Caso a opção não seja feita, o RET passará a ter alíquota de 1,92% (IRPJ/CSLL) e a CBS/IBS incidirão com as novas regras.

Os contratos administrativos, celebrados pela administração pública direta ou indireta, firmados antes da entrada em vigor da LC 214/2025 também serão ajustados para assegurar o reequilíbrio econômico-financeiro em razão da alteração da carga tributária efetiva suportada pela contratada, considerando os efeitos da não cumulatividade e a possibilidade de repasse do encargo financeiro dos tributos.

7. Perspectivas e Considerações Finais

A reforma tributária representa uma profunda mudança estrutural que, apesar de sua complexidade e dos desafios inerentes à transição, é amplamente vista como positiva para o setor imobiliário por especialistas e pelo Ministério da Fazenda. Embora eleve a carga tributária nominal para incorporações imobiliárias e construção civil em relação ao regime especial atual (RET), a reforma introduz benefícios fundamentais como maior transparência, simplificação do sistema, aproveitamento integral de créditos e redistribuição da carga tributária – fatores que tendem a favorecer particularmente o segmento de imóveis populares, inclusive por meio de redutores sociais que podem reduzir seus custos.

A não cumulatividade plena e a possibilidade de recuperação de créditos representam ganhos significativos que podem aumentar a eficiência e reduzir custos setoriais a médio e longo prazos. Embora imóveis de alto padrão possam experimentar aumento inicial na tributação, os ganhos de produtividade e eficiência decorrentes da reforma poderão resultar, com o tempo, em preços mais competitivos para todos os segmentos.

No entanto, a efetividade e o sucesso da reforma dependerão crucialmente de uma regulamentação clara e detalhada dos pontos ainda em aberto, como o momento do fato gerador em contratos de longo prazo e o tratamento de programas sociais. O setor precisará se adaptar a novas regras, formas de apuração e alíquotas, enfrentando um período de transição operacional e estratégica até a plena implementação do novo sistema.

É imperativo que empresas e profissionais do setor imobiliário acompanhem de perto as regulamentações que serão publicadas e busquem assessoria jurídica especializada para garantir conformidade e otimizar suas operações diante das novas regras tributárias. A adaptação estratégica será fundamental para navegar com sucesso neste novo cenário fiscal.

Referências

BRASIL. Lei Complementar nº 214, de 16 de janeiro de 2025. Institui o Imposto sobre Bens e Serviços - IBS, regulamenta a Contribuição sobre Bens e Serviços - CBS, e dá outras providências. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, ed. 12, p. 1, 17 jan. 2025. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp214.htm. Acesso em: 31 ago. 2025.

JOTA. Reforma tributária e o setor imobiliário e de construção. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/reforma-tributaria-e-o-setor-imobiliario-e-de-construcao. Acesso em: 31 ago. 2025.

MINISTÉRIO DA FAZENDA. Reforma Tributária será positiva para o setor imobiliário. Disponível em: https://www.gov.br/fazenda/pt-br/canais_atendimento/imprensa/notas-a-imprensa/2025/abril/reforma-tributaria-sera-positiva-para-o-setor-imobiliario. Acesso em: 31 ago. 2025.

SINDUSCONSP/FIESP. Cartilha Reforma Tributária e as Operações com Imóveis. Disponível em: https://sindusconsp.com.br/wp-content/uploads/2025/04/cartilha-reforma-tributaria-dejur-2025v3.pdf. Acesso em: 31 ago. 2025.


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